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O novo CPC e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

By 30/06/2016No Comments7 min read

*Este artigo foi publicado na seção Painel do Leitor da Revista Jurídica Consulex de 15 de julho de 2016.

Por Marcos Resende e Konstantino Vieira Papaspyrou

Considerado uma das grandes inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil, vigente desde 18 de março de 2016, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ” IRDR consiste em expediente processual que tem por objetivo definir uma tese jurídica comum a diversas ações judiciais que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito, a qual deverá ser obrigatoriamente adotada nos demais processos em curso – ou ainda os futuros – que tenham identidade de objeto e estejam submetidos à mesma jurisdição.

A utilização desse incidente visa proporcionar a realização do objetivo primordial que permeia a atual sistemática trazida pelo atual Código de Processo Civil, qual seja, a promoção de uma justiça célere e efetiva em benefício dos jurisdicionados.

Com efeito, buscou o legislador, de forma acertada, criar mecanismo que permita a produção de uma jurisprudência uniforme no âmbito de atuação dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, a fim de conferir racionalidade e tratamento prioritário à solução de um contingente vultuoso de demandas que discutam a mesma tese jurídica.

O novel incidente permite aos Tribunais de 2.º Grau proferir uma decisão de caráter vinculante, ou seja, que torne obrigatória, enquanto vigente, a adoção de determinada tese jurídica definida como correta a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre a mesma questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo Tribunal, inclusive perante os Juizados Especiais e no âmbito do próprio Tribunal prolator da decisão, tanto em relação aos casos pendentes de julgamento quanto aos futuros litígios postos à sua apreciação, conforme ditames do artigo 985, incisos I e II, do Código de Processo Civil.

Trata-se de uma grata novidade, na medida em que, na sistemática do Código de Processo Civil revogado, apenas se permitia a fixação de teses para casos repetitivos em sede de instância extraordinária, por meio do recurso especial e extraordinário repetitivos, julgados, respectivamente, pelo STJ e STF.

Nesse contexto, percebe-se que o IRDR terá, pelo menos em tese, o condão de encurtar o longo percurso que antes necessariamente deveria ser trilhado até uma eventual e incerta instauração de julgamento de casos repetitivos no âmbito exclusivo da instância extraordinária, principalmente porque a adoção de tal procedimento dependia da exclusiva iniciativa do Poder Judiciário, diferentemente do que se vê hoje, sob a vigência do instituto do IRDR, em que figuram como legitimados a requerer a sua instauração (i) o juiz ou relator da causa; (ii) as partes e (iii) o Ministério Público ou a Defensoria Pública (art. 977, NCPC).

Para o seu cabimento, a lei impõe a existência de efetiva repetição de processos que contenham idênticas controvérsias sobre matéria de direito, a existência de demanda pendente de julgamento no respectivo Tribunal e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Lado outro, uma vez instaurado e admitido o IRDR, haverá, inevitavelmente, a suspensão, por tempo não superior a um ano – salvo decisão fundamentada do relator -, dos processos pendentes que versem sobre a tese em discussão e estejam sob a jurisdição do Tribunal competente, tendo o incidente preferência de julgamento sobre os demais feitos. Uma vez extrapolada tal limitação temporal pela inércia do órgão julgador e não prorrogado o prazo, de forma fundamentada, dar-se-á o retorno da regular tramitação das demandas individuais ou coletivas, medidas estas evidentemente salutares, pois prestigiam o princípio constitucional da razoável duração do processo, uma vez que o julgamento breve da causa evita a inutilidade e ineficácia da decisão futura.

Outro relevante ponto a ser destacado no âmbito do IRDR é que não só os integrantes dos polos ativo e passivo da demanda, como também todos os órgãos, entidades e os demais interessados no resultado do julgamento do incidente poderão se manifestar nos autos, juntar documentos, bem como requerer eventuais diligências necessárias para elucidação da questão de direito controvertida, além de produzirem sustentações orais, nos termos previstos nos artigos 983 e 984 do novo Diploma Legal.

Com base neste dispositivo, que abarca de forma ampla o contraditório e a participação de terceiros interessados na controvérsia a ser definida em julgamento de demandas repetitivas, abre-se a oportunidade a profissionais do direito ou escritórios de advocacia de, independentemente de estarem patrocinando ou não a causa originária do incidente, atuarem em prol dos interesses de seus clientes buscando a fixação da melhor tese jurídica ao caso.

Após o amplo debate da questão jurídica controvertida, a decisão a ser proferida pelo Tribunal competente deverá necessariamente abranger todos os fundamentos suscitados, sejam eles favoráveis ou contrários à tese, o que certamente possibilitará a devida compreensão do precedente criado, conferindo-lhe a indispensável legitimidade.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, mantendo sua posição de vanguarda no cenário jurídico nacional, já procedeu às adaptações necessárias em seu Regimento Interno em conformidade com as disposições do novo Código de Processo Civil, tendo criado as Seções Cíveis, responsáveis pelo julgamento, dentre outras demandas, dos IRDR. Em 15/06/2016 foi realizada a primeira sessão de julgamento do órgão, ocasião em que a 1.ª Seção Cível admitiu um IRDR em que se discute, à luz da Lei nº 9.729/88, qual é o conceito de remuneração e proventos para fins de cálculo do décimo terceiro salário pago aos servidores públicos estaduais, tendo sido determinado pelo Desembargador Relator a suspensão, até julgamento definitivo, de todos os processos que tramitam nas comarcas da Capital e do Interior e nas Unidades Jurisdicionais dos Juizados Especiais ” cujos juízos tenham competência para conhecer e julgar causa desta natureza ” e que possuam como objeto total ou parcial o tema deste incidente de resolução de demandas repetitivas ainda que as partes sejam distintas.

Diante do exposto, infere-se que a implementação legal dessa nova técnica processual para a solução de questões repetitivas em determinada região, com força de precedente obrigatório, proporcionará maior racionalidade, isonomia e prioridade no tratamento de matérias de interesse coletivo, refreando a proliferação de ações e a tramitação desnecessária ou até mesmo equivocada de demandas que se repetem aos milhares, permitindo a atenuação da sobrecarga do Poder Judiciário e garantindo uma maior segurança jurídica aos destinatários da norma.

Marcos Resende é sócio da Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil e Membro da Comissão de ética e Disciplina da OAB/MG.
Konstantino Vieira Papaspyrou é graduando em Direito e membro da equipe da Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados.