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Do registro da união estável

By 11/03/2019janeiro 6th, 2022No Comments7 min read

Por Alexandre Figueiredo de Andrade Urbano e Ricargo Gorgulho Cunningham.

Artigo publicado na Revista Inconfidente, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais

Nos dias atuais, a união estável vem ganhando maior importância no Brasil. Segundo dados da CENSEC, de 2011 a 2015, o número de uniões estáveis aumentou 57% (de 87.085 para 136.941), enquanto o número de casamentos cresceu 10% (1026.736 para 1.131.734). Os números relatados não contemplam as uniões estáveis não formalizadas mediante registro público, as quais constituem o objeto principal desta reflexão. Qual a importância do formalismo quanto à constituição do casamento? A união estável sem formalização permite que os atos jurídicos praticados pelos conviventes tenham segurança jurídica? Inicialmente, insta asseverar que os direitos e deveres dos companheiros e dos cônjuges são praticamente os mesmos (conforme arts. 1.723 a 1.726 e 1.511 e 1.566 do Código Civil).

Ao julgar o Recurso Extraordinário 878.694 e apreciar o tema de repercussão geral nº809, o STF reconheceu a inconstitucionalidade do art.1.790 do Código Civil e declarou o direito de uma pessoa participar da herança de seu companheiro, em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art.1.829 do Código Civil.

A partir dessa decisão, a maior diferença entre os institutos diz respeito à formalidade necessária à constituição do casamento e a informalidade da configuração da união estável. Indubitavelmente, o casamento é o ato mais formal no direito civil, que inclui o procedimento prévio da “habilitação” (CC, arts.1525 e seguintes), posterior realização da solenidade presidida pelo Juiz de Paz, que realizar-se-á com toda publicidade possível, na presença de duas testemunhas, sendo lavrado o assento no livro de registro (CC, art.1.536), discriminando o regime de comunhão de bens escolhido pelo casal (CC, art.1.536, VII).

A união estável se configura meramente no campo dos fatos, e se caracteriza na convivência pública, contínua e duradoura, com um elemento subjetivo (ou moral) de fundamental relevância: o objetivo de constituir família, não havendo necessidade da celebração de qualquer escrito, ou de algum contrato para caracterizá-la. A “convivência pública” se verifica quando o casal passa a se apresentar como se casados fossem. A “continuidade”: quando o relacionamento é perene, sem términos e voltas constantes. Relacionamentos fugazes e instáveis são namoros e não se revelam aptos a constituir união estável.

Quanto à “durabilidade”, embora o legislador tenha abandonado a fixação objetiva de um prazo para caracterização da união estável, entende-se que a relação deve ter existido pelo tempo necessário à concretização dos demais requisitos, o que é analisado pelo Judiciário caso a caso. Por fim, o “objetivo de constituição de família” é o pressuposto mais importante para a configuração da união estável e consiste na vontade dos conviventes de formar uma entidade familiar. Ocorre que, por se tratar de elemento de caracterização tão peculiar e subjetivo, grandes são as dificuldades encontradas pelo Judiciário para distinguir as situações que não passam de um namoro “sério”, e as verdadeiras uniões estáveis, pois nem sempre a verdadeira intenção volitiva dos conviventes é facilmente identificada.

Além disso, a data de início da união estável muitas vezes é difícil de ser apurada, porquanto o instituto é precedido de um período de namoro, que reúne requisitos de convivência pública, continuidade e durabilidade, sendo impreciso o exato momento em que surge entre os conviventes a intenção subjetiva de constituir família. Sem a formalização consensual dos companheiros, em casos de dúvida será necessário buscar a intervenção do Poder Judiciário para obter o reconhecimento do momento da constituição da união estável (e a sua própria caracterização). No entanto, o trâmite processual é longo e seu resultado incerto, pois depende da instrução probatória a ser produzida nos autos.

Levando-se em conta a subjetividade quanto a real intenção dos conviventes de constituir família, bem como a dificuldade de se apurar a data a partir de quando os pares teriam intenção de constituir um ente familiar, além da inexistência de um meio para se aferir qual o regime de bens escolhido pelos companheiros, pode-se constatar que a união estável, não formalizada, gera grande insegurança jurídica nas relações dos companheiros entre si e também perante terceiros.

A obrigação de formalizar a união estável em Cartório eliminaria os problemas quanto à prova da intenção das partes em constituir um ente familiar, daria publicidade ao regime de bens escolhido e serviria como um marco a partir do qual o relacionamento passaria a ter a proteção constitucional conferida aos cônjuges.

Não se olvida respeitável posicionamento em contrário, no sentido de que a obrigatoriedade do registro da união estável representaria ofensa aos princípios que conduziram à criação e consolidação do próprio instituto. No entanto, entendemos que a informalidade da união estável não é um valor em si e jamais deverá prevalecer sobre o princípio da segurança jurídica, razão pela qual a formalidade exigida para celebração do casamento também deveria valer para a união estável.

Destarte, mais do que simplesmente recomendável, o registro da união estável deveria se tornar obrigatório, de forma a evitar e prevenir litígios entre os conviventes e terceiros.