Novas regras tributárias na Recuperação Judicial
Como as normas recém editadas podem ajudar as empresas em processo de reestruturação
A Lei 14.112/2020, que reformou a Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/2005) em diversos pontos, trouxe também significativas alterações no âmbito tributário, relativamente às empresas que estão submetidas ao regime da LRF.
Dentre as modificações mais relevantes, deve-se destacar que a Lei possibilitou que as Fazendas Públicas concedam condições mais benéficas para as empresas que estão em regime de recuperação judicial, possibilitando, assim, que estas mantenham sua regularidade fiscal.
Com isso, acredita-se que a jurisprudência que anteriormente dispensava a apresentação de certidões negativas tributárias para a concessão da recuperação judicial deve ser alterada. Até porque o fundamento que se apresentava para tal dispensa era exatamente a inércia das Fazendas Publicas em oferecer condições especiais para que as recuperandas saldassem seus passivos tributários. Agora, como tal fundamento não mais subsiste, tal entendimento jurisprudencial poderá ser modificado, sendo este um ponto de atenção para as empresas que estão em recuperação, mas que ainda não aprovaram seus respectivos planos.
Tratando-se dos parcelamentos de obrigações tributárias, o empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial poderá liquidar os seus débitos para com a Fazenda Nacional existentes até a data do ajuizamento, ainda que não vencidos, de natureza tributária ou não tributária, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa, mediante a opção por uma das seguintes modalidades:
(a) parcelamento da dívida consolidada em até 120 prestações mensais e sucessivas, calculadas de forma escalonada e mais reduzida nos dois primeiros anos (nesta hipótese, podendo enquadrar os débitos de qualquer natureza das autarquias e das fundações públicas federais); ou
(b) em relação aos débitos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), liquidação dos débitos com a utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela RFB, limitado a 30% (trinta por cento) da dívida consolidada, e o parcelamento do saldo remanescente em até 84 parcelas, calculadas de forma escalonada e mais reduzida nos dois primeiros anos.
Na legislação anterior, havia a exigência de a recuperanda incluir todas as dívidas tributárias no parcelamento. Com a alteração da Lei 10.522/2002 pela Lei 14.112/2020, a recuperanda não mais precisa incluir todos os débitos, podendo excluir aqueles sujeitos a outros parcelamentos ou que sejam objeto de discussão judicial ou administrativa, podendo optar, assim, pelos que irá incluir no parcelamento especial para empresas em recuperação judicial. Para isso, será necessário o oferecimento de garantia idônea e suficiente, admitida pela Fazenda Nacional, e esta garantia não poderá ser incluída no plano de recuperação judicial, de modo a permitir sua execução regular. Todavia, caso opte por incluir débitos que se encontrem sob discussão administrativa ou judicial, garantidos ou não, deverá desistir de tais discussões.
Podem, ainda, as empresas em recuperação judicial negociar com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) outras formas de pagamento dos créditos inscritos em Dívida Ativa da União, por meio de transação tributária excepcional. Nestes casos, poderá ser negociado o alongamento dos prazos de pagamento para até 120 meses (até 145 meses se for ME ou EPP ou, se o contribuinte desenvolver projetos sociais, um prazo adicional de 12 meses) e a PGFN está autorizada a conceder descontos de até 50% (ou 70%, para ME e EPP) do valor total da dívida, observadas as condições previstas na Lei.
Com relação à tributação relativa ao ganho de capital na venda de bens ou direitos componentes do ativo permanente pela pessoa jurídica em recuperação judicial, o imposto de renda e a CSLL também poderão ser parcelados em condições especiais, inclusive com a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa (IRPJ e CSLL) sem o limite de 30%, exceto para operações com agentes relacionados com a recuperanda.
Outra demanda dos contribuintes que foi atendida com a Lei 14.122/2020 foi a possibilidade de equalização dos débitos tributários decorrentes do ganho de capital obtido pelo devedor com a redução das dívidas na recuperação judicial. É de conhecimento de todos que um dos meios de recuperação judicial que podem ser utilizados pelos devedores – e, talvez, a forma mais comum, conjuntamente com o alongamento do prazo de pagamento – é a aplicação de deságio sobre os créditos sujeitos a tal regime. Nestes casos, o ganho obtido pelo devedor com a redução da dívida poderá ter base de cálculo reduzida por prejuízo fiscal/base de cálculo negativa, mas se sujeitará ao limite de 30% de redução por ano-calendário. Além disso, as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial poderão ser consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Com as alterações da Lei 14.112/2020, foi admitido, ainda, o parcelamento de dívidas decorrentes de tributos passíveis de retenção na fonte e IOF. Neste caso, o prazo de parcelamento será de 24 meses.
As hipóteses de rescisão dos parcelamentos também foram amenizadas para as empresas em recuperação judicial. Somente perderão o direito ao parcelamento especial as recuperandas que deixarem de pagar 6 parcelas consecutivas ou 9 alternadas, assim como nas hipóteses em que a recuperação judicial for indeferida, seja mediante a extinção do processo ou a convolação em falência.
A contrapartida exigida pela Fazenda Nacional foi a possibilidade de rescindir o parcelamento caso seja constatado qualquer ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento do parcelamento, além da possibilidade, em determinadas situações, de a Fazenda Nacional requerer a convolação da recuperação judicial em falência, se isto ainda não tiver ocorrido. Nas hipóteses de rescisão do parcelamento, a dívida vencerá antecipadamente e haverá o prosseguimento das execuções fiscais.
Além das condições acima, o Fisco exigiu mais transparência nos processos de recuperação judicial. A Lei passou a exigir, como documento essencial para o ajuizamento, a apresentação pelo devedor de relatório detalhado sobre o passivo fiscal. Além disso, após o deferimento do processamento da recuperação judicial, as Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor possuir estabelecimento serão intimadas para tomar conhecimento do processo e informar eventuais créditos perante o devedor, para divulgação aos demais interessados.
Por fim, para as empresas em recuperação judicial que aderirem às modalidades de parcelamento ou que transacionarem com o Fisco, será exigida a assinatura de termo de compromisso, no qual o devedor se obriga a manter a regularidade fiscal e a fornecer à RFB e à PGFN informações bancárias. Além disso, no caso de alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante, realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial, o devedor se obriga a amortizar parcialmente o saldo devedor do parcelamento em curso no montante de até 30% do produto de cada alienação.
Em conclusão, vê-se que foram criadas formas de possibilitar a regularidade fiscal das empesas em recuperação judicial, mediante a opção por parcelamento ou transação em condições especiais. Espera-se, com isso e com as outras reformas da Lei de Recuperações e Falências, que as empresas que enfrentam crise econômico-financeira possam, efetivamente, resistir a essa crise sem precedentes que tem assolado um grande número de empresários e superar o momento de dificuldades atual.
Leonardo de Almeida Sandes é senior partner do escritório Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados, com atuação nas áreas de Recuperações e Falências e Direito Societário. Mestre em Direito Empresarial e professor em diversas instituições de ensino. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MG e membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG).