Marcos Campos de Pinho Resende
Raiany Mara Galvão Pereira
Os programas de fidelização são espécies de planos desenvolvidos por agentes de diversos ramos do mercado visando estimular determinado serviço ou à aquisição de produto específico, a partir de uma lógica relativamente simples, resumida na ideia de que quanto mais o consumidor se utilizar dos objetos contemplados no programa, mais objetos ele poderá adquirir por meio do acúmulo de “pontos”.
A partir dessa perspectiva, os programas de milhagem, muito comuns às práticas de mercado adotadas pelas companhias aéreas, constituem-se como autênticos programas de fidelidade. Todavia, a despeito de tal atividade possuir um escopo bem delineado, ainda não possui regulação própria, conquanto existam projetos de lei versando sobre o tema, o que gera muitas controvérsias entre fornecedores e usuários dos serviços de transporte aéreo.
Nesse sentido, ganha relevo a questão da possibilidade de transferência e comercialização de milhas, prática que vem se difundindo cada vez mais com a crescente criação de empresas especializadas neste mercado.
Por não possuir regulação da ANAC, as companhias aéreas adotam em seus regulamentos de milhagens cláusulas usualmente a elas mais vantajosas, dada a natureza dispendiosa dos serviços prestados, incluindo por vezes, nesse contexto, ordens restritivas à transferência recorrente de milhas pelos usuários.
Todavia, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais e de São Paulo[1], a despeito de ainda não terem firmado entendimento pacificado sobre o tema, encampam posicionamento pela impossibilidade de impor restrições às negociações e transferências, por qualificarem os programas de aquisição de milhas como negócios jurídicos de natureza onerosa, sobre os quais não poderia haver imposição de cláusula restritiva.
Nesse sentido, as Cortes Estaduais assentam que a aquisição de milhas pelos passageiros não ocorreria de forma gratuita, porquanto o preço respectivo já estaria embutido no valor das passagens compradas pelos usuários, razão pela qual seria ilegal a imposição das cláusulas restritivas.
Segundo entendimento exarado recentemente pela 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, “seria ingênuo imaginar que as companhias áreas, cada vez mais ávidas por elevados lucros, não incluam no preço da passagem vendida ao usuário, o custo dos bilhetes emitidos em razão de resgates realizados pelos participantes dos seus planos de fidelização, uma vez que em cada viagem alguns assentos são destinados à premiação” (Apelação Cível 0009943-57.2015.8.26.0635).
Em sentido oposto ao articulado, há também corrente que defende a natureza gratuita dos programas de milhagens, enquadrando-os como espécie de promessa de recompensa, negócio unilateral das companhias, que permitiria a restrição à comercialização e transferência pelos passageiros. Tal linha, entretanto, ainda não vem sendo amplamente reconhecida nos Tribunais.
Diante do exposto, é possível perceber que as controvérsias decorrentes de programas de milhagens ainda não regulamentados por legislação específica podem repercutir de formas diversas a depender da perspectiva jurídica adotada, situação que, atrelada à inexistência de jurisprudência pacífica dos tribunais, demanda uma atenção específica e abordagem profissional adequada, dada a complexidade do assunto.
[1] TJMG. Agravo de Instrumento 1.0024.13.197143-4/001, 17ª Câmara Cível, Rel.: Des. Eduardo Mariné da Cunha, publicação: 21/11/2013; TJSP. Apelação Cível 0009943-57.2015.8.26.0635. 23ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Paulo Roberto de Santana, publicação: 28/06/2018.