Por Leticia Melhem
O caráter absolutamente excepcional da Pandemia da Covid-19 desencadeou, além dos conhecidos efeitos deletérios, uma grave crise econômica mundial, demandando um olhar mais cauteloso às relações jurídicas por ela afetadas. Diante das prejudiciais consequências da Pandemia, tornou-se comum a impossibilidade, absoluta ou relativa, do cumprimento de obrigações contratuais anteriormente assumidas.
Nesse cenário, no Brasil, verificou-se uma série de discussões envolvendo os contratos de locação de imóveis regulados pela Lei 8.245/1991, especialmente quanto à aplicabilidade e exequibilidade das cláusulas que estabelecem os índices de reajuste.
A praxe do mercado imobiliário comumente estipulava o reajuste de aluguéis pela variação do Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entretanto, durante a Pandemia da Covid-19, verificou-se uma atípica e exagerada oscilação positiva do IGP-M, chegando a atingir percentuais acima de 23% no ano de 2020 e de quase 20% em 2021, situação que gerou inúmeros impasses entre locadores e locatários, chegando a inviabilizar por completo a continuidade de diversos contratos em curso, sobretudo comerciais, diante do grave contexto de lock downs adotados como medidas de contenção da Pandemia.
Muitas negociações e questionamentos, inclusive judiciais, buscaram (e ainda buscam) a modificação de cláusulas contratuais e a substituição do IGP-M por outro índice existente, como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, que apresentou uma variação menos acentuada, ou até mesmo por um mix de índices que represente uma média plausível e adequada de reajuste, buscando preservar-se o equilíbrio contratual entra as partes.
Visando garantir segurança jurídica tanto aos locatários quanto aos locadores, por meio de uma normatização específica, foram adotadas algumas iniciativas legislativas e judiciais para a substituição do IGP-M pelo IPCA, como o Projeto de Lei n.º 1.806, de 2021, em tramitação no Senado desde sua apresentação, bem como a ADPF 818 e a ADPF 869, pendentes de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Dentro deste contexto, com o objetivo de medir a evolução mensal dos valores de aluguéis no mercado de imóveis, a Fundação Getúlio Vargas inovou e lançou, em janeiro de 2022, o Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (IVAR).
O IVAR é divulgado mensalmente e possui a pretensão de melhor se adequar aos contratos de locação, por ser calculado com base no valor dos aluguéis, nas características do imóveis, e nas características concretas das variações do mercado, considerando informações decorrentes de contratos de locação firmados em quatro das grandes capitais do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Para Paulo Picchetti, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e professor da Escola de Economia da FGV-SP, “[t]anto o IGP-M quanto IPCA são índices construídos para outros propósitos. A grande inovação do IVAR é que ele foi feito exclusivamente para acompanhar a variação de alugueis residenciais: há, portanto, uma correspondência direta com a dinâmica e os fundamentos do mercado imobiliário”.
A adequação do novo índice se refere não apenas à especificidade do contrato de locação, mas também ao cenário econômico comparado à realidade financeira das famílias brasileiras. Segundo André Braz, coordenador dos índices de preços da FGV, “[a] alta da inflação vem reduzindo a renda familiar, que segue pressionada pela apatia da atividade econômica e pelo alto índice de desemprego. Com a renda familiar em baixa, os valores dos aluguéis tendem a acompanhar tal tendência, refletindo o avanço das negociações entre inquilinos e proprietários”.
Assim, o recentíssimo índice surge como nova e importante alternativa à substituição do IGP-M e promete propiciar equilíbrio às relações decorrentes de contratos de locação, principalmente em momentos de instabilidade e oscilações econômicas, podendo a sua adoção ser objeto de negociação entre locatários e locadores, assessorados ou não por advogados e imobiliárias.
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Fontes:
IGP-M ou IPCA? Ações sobre correção de aluguel aguardam análise do STF.
Projeto de Lei n° 1806, de 2021.
IVAR: Índice de Variação de Aluguéis Residenciais.
IVAR: Índice de Variação de Aluguéis Residenciais sobe 0,66% em dezembro de 2021, aponta FGV IBRE.
IVAR: Índice de Variação de Aluguéis Residenciais avança 1,86% em janeiro de 2022.
IVAR: Após disparada do IGP-M, FGV lança novo índice para aluguéis.
Adeus, IGP-M? FGV explica por que lançou novo índice do aluguel.