A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, fixou tese no sentido de que configura prática abusiva da empresa aérea o cancelamento automático e unilateral do bilhete de volta em virtude do não comparecimento do passageiro no trecho de ida (no show). Segundo o STJ, a prática viola diretamente o Código de Defesa do Consumidor.
“Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva que deve reger as relações contratuais (CDC, artigo 51, IV) “, afirmou o relator do recurso especial na Terceira Turma, Ministro Marco Aurélio Bellizze.
Segundo o ministro, a situação também configura a prática de venda casada, pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo de volta à utilização do trecho de ida. Além da restituição dos valores pagos com as passagens de retorno adicionais, o colegiado condenou a empresa aérea ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 5 mil para cada passageiro.
A decisão da 3ª Turma pacifica o entendimento sobre a matéria nas duas turmas de direito privado do STJ. No ano passado, a 4ª Turma já havia adotado conclusão no mesmo sentido. Na ocasião, a empresa aérea foi condenada a indenizar em R$ 25 mil uma passageira que teve o voo de volta cancelado após o não comparecimento no voo de ida.
No caso analisado pela 3ª Turma, dois passageiros adquiriram bilhetes aéreos entre São Paulo e Brasília, com intenção de embarcar pelo Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Por engano, eles selecionaram os bilhetes com origem de Viracopos, em Campinas (SP), motivo pelo qual foram obrigados a comprar novas passagens. Ao tentar embarcar no voo de volta, foram informados que suas reservas do retorno haviam sido canceladas devido ao no show da ida.
Segundo o Ministro Marco Aurélio Bellizze, entre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor trazidos pelo CDC, o artigo 51 estabelece hipóteses de configuração de cláusulas abusivas em contratos de consumo. O artigo 39 da lei fixa situações consideradas abusivas, incluindo a proibição da chamada “venda casada”.
“No caso, a previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo o Poder Judiciário restabelecer o necessário equilíbrio contratual”, afirmou o ministro.
Além da configuração do abuso, o relator lembrou que a autorização contratual que permite ao fornecedor cancelar o contrato unilateralmente não está disponível para o consumidor, o que implica violação do artigo 51, parágrafo XI, do CDC. Bellize ainda afirmou que, apesar dos preços dos bilhetes do tipo “ida e volta” serem mais baratos, são realizadas duas compras na operação, tanto que os valores são mais elevados caso os trechos forem comprados separadamente.
“Dessa forma, se o consumidor, por qualquer motivo, não comparecer ao embarque no trecho de ida, deverá a empresa aérea adotar as medidas cabíveis quanto à aplicação de multa ou restrições ao valor do reembolso em relação ao respectivo bilhete, não havendo, porém, qualquer repercussão no trecho de volta, caso o consumidor não opte pelo cancelamento”, concluiu o ministro ao condenar a empresa aérea ao pagamento de danos morais e materiais. As informações são do Superior Tribunal de Justiça.