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Falência no mercado de saúde suplementar: aspectos legais e regulatórios

By 23/03/2023No Comments6 min read

Por Marlus Riani

A Lei nº 9.656/98, também conhecida como Lei dos Planos de Saúde, preceitua no seu artigo 23, como regra geral, que as operadoras de planos privados de assistência à saúde não podem requerer “concordata” e não estão sujeitas a falência ou insolvência civil. Entretanto, a referida legislação, no §1º do mesmo artigo, confere algumas exceções, a saber: “I – o ativo da massa liquidanda não for suficiente para o pagamento de pelo menos a metade dos créditos quirografários; II – o ativo realizável da massa liquidanda não for suficiente, sequer, para o pagamento das despesas administrativas e operacionais inerentes ao regular processamento da liquidação extrajudicial; ou III – nas hipóteses de fundados indícios de condutas previstas nos arts. 186 a 189 do Decreto-Lei nº 7.661/45”.

No mesmo sentido, a lei especial que regula a falência e a recuperação judicial e extrajudicial (Lei nº 11.101/05) é enfática ao dispor que não se aplica à “sociedade operadora de plano de assistência à saúde” (art. 2º, II).

Com efeito, legalmente, aplicar-se-á para as operadoras de planos de assistência à saúde o regime de liquidação extrajudicial e não o da falência.

Cumpre destacar que, em face da operadora de assistência à saúde poderá ser instaurado pelo órgão regulador (ANS) o regime de direção fiscal, precedente à liquidação extrajudicial. Porém, frise-se, que essa é uma hipótese relativa e não uma condição sine qua non para que a ANS proceda à decretação da liquidação extrajudicial.

A ANS, atuando no seu dever legal de proteção aos consumidores e de garantia da sustentabilidade e perenidade do mercado de saúde suplementar, deverá ex officio, ao detectar insuficiência das garantias do equilíbrio financeiro, a existência de anormalidades econômico-financeiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde, determinar a instauração da direção fiscal.

Para a decretação da liquidação extrajudicial, devem ser criteriosamente observados os ditames da Resolução Normativa nº 522/2022 da ANS, que prescreve a obrigatoriedade de que seja constatada ao menos uma das seguintes situações: “I – indícios de dissolução irregular; II – não alcance dos objetivos de saneamento das anormalidades econômico-financeiras ou administrativas graves; III – ausência de substituição de administradores inabilitados ou afastados por determinação da ANS, sempre que o abandono ou a omissão continuada dos órgãos de deliberação importar em risco para a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde dos beneficiários; IV – aplicação de sanção administrativa de cancelamento de sua autorização de funcionamento ou do registro provisório, na forma do art. 25, VI, da Lei nº 9.656, de 1998; ou V – violação grave pela administração da operadora de normas legais e estatutárias que disciplinam a atividade da instituição bem como das determinações da ANS, no uso de suas atribuições legais.”.

A decretação da liquidação extrajudicial da operadora produz vários efeitos imediatos, dentre eles, o cancelamento da autorização de funcionamento – proibida a comercialização de planos -, a perda dos poderes de todos os órgãos de administração – nomeação de liquidante -, o vencimento antecipado das obrigações – plano e pagamento dos credores -, e a interrupção da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade da liquidanda.

Em que pese a Lei de Planos de Saúde e a já invocada Lei nº 11.101/05 disporem como regra a não sujeição das operadoras de saúde ao regime falimentar, tem-se essa hipótese prevista, de forma excepcional, na Lei nº 9.961/2000 – criou a ANS – ao dispor no artigo 4º, inciso XXXIV, autorização do liquidante a requerer a falência ou insolvência civil das operadoras de planos privados de assistência à saúde.

Na prática, no decorrer do processo administrativo da liquidação extrajudicial, caso o liquidante aponte no relatório a presença de alguma das hipóteses da tríplice previsão regulatória, (i) o ativo da liquidanda não for suficiente para o pagamento dos créditos extraconcursais, dos créditos preferenciais e de pelo menos a metade dos créditos quirografários; (ii) o ativo realizável da liquidanda não for suficiente, sequer, para o pagamento das despesas administrativas e operacionais inerentes ao regular processamento da liquidação extrajudicial; ou (iii) fundados indícios de condutas tipificadas nos arts. 168, 171, 172, 173, 175 e 178 da Lei nº 11.101, de 2005, exceto se a liquidanda possuir ativos suficientes para o pagamento dos credores; caberá análise da Diretoria Colegiada da ANS para proceder ou não à autorização para o liquidante requerer a falência.

Relevante destacar que a regulamentação da ANS (art. 35, RN 522/2022) determina uma lista de documentos obrigatórios a serem apresentados pelo liquidante quando do requerimento da falência. Não comprovada a existência de causa justificadora do pedido de falência, prosseguirão os trâmites da liquidação extrajudicial.

Realizada a distribuição do pedido de falência, o liquidante deverá requer a suspensão das ações em andamento até que o juízo competente nomeie o administrador judicial, bem como informar ao juízo prevento o rol das ações judiciais em curso.

Denota-se, pois, que o mercado de saúde suplementar é extremamente complexo e possui peculiaridades, tal como essa do excepcional cabimento da falência às operadoras de assistência à saúde, demandando um acompanhamento técnico-legislativo constante e específico, a fim de se evitar surpresas e riscos às partes envolvidas.