Larissa Souza – Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos https://mouratavares.adv.br Advogados Fri, 08 Aug 2025 17:24:59 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.2 https://mouratavares.adv.br/wp-content/uploads/2022/02/cropped-favion-moura-tavares-32x32.jpeg Larissa Souza – Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos https://mouratavares.adv.br 32 32 Seguros D&O e E&O: uma análise comparativa das principais diferenças https://mouratavares.adv.br/noticias/seguros-do-e-eo-uma-analise-comparativa-das-principais-diferencas/ Fri, 08 Aug 2025 17:24:56 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2810 No contexto da crescente complexidade regulatória e do aumento da judicialização das relações profissionais e empresariais, os seguros de responsabilidade civil tornaram-se instrumentos essenciais para a proteção de pessoas físicas e jurídicas diante de riscos decorrentes do exercício de suas funções. Entre as modalidades mais relevantes estão os seguros D&O (Directors and Officers) e E&O (Errors and Omissions), que, embora compartilhem o objetivo comum de mitigar perdas oriundas de responsabilidades profissionais, possuem finalidades, sujeitos e coberturas bastante distintos.

O seguro D&O é voltado à proteção do patrimônio pessoal dos administradores de empresas, como diretores, conselheiros, membros de comitês e demais pessoas em cargos de gestão, em face de reclamações judiciais ou administrativas relacionadas a atos de gestão. Tais atos podem envolver decisões estratégicas, falhas de supervisão, omissões ou mesmo ações que, ainda que lícitas, resultem em prejuízos a terceiros, incluindo acionistas, credores, órgãos reguladores e até mesmo à própria companhia. Nessa modalidade, a contratante da apólice é a própria empresa, que visa resguardar seus gestores dos riscos inerentes ao exercício da administração.

Por sua vez, o seguro E&O destina-se à cobertura de erros, omissões, negligência ou imperícia na prestação de serviços profissionais, protegendo tanto o profissional liberal quanto empresas que atuam em áreas como engenharia, advocacia, contabilidade, consultoria, medicina, tecnologia da informação, entre outras. Trata-se de um seguro com escopo mais técnico-operacional do que estratégico, voltado à atividade fim desempenhada pelo segurado, e não à sua função de liderança ou gestão. Nessa hipótese, o próprio prestador de serviços é quem contrata e figura como segurado da apólice, podendo ser pessoa física ou jurídica.

Do ponto de vista contratual, o seguro E&O costuma prever a aplicação de franquias obrigatórias, que funcionam como um valor mínimo de responsabilidade direta do segurado por sinistro, antes da atuação da seguradora, que costuma ser de pelo menos 10% (dez por cento) do valor total da cobertura. Já no seguro D&O, a franquia é menos frequente quando se trata de cobertura à pessoa física do administrador, especialmente em ações individuais movidas contra ele. Em contrapartida, pode haver franquia em coberturas de reembolso à empresa ou em cláusulas complementares (como investigação prévia ou extensão a entidades vinculadas).

Ambas as modalidades possuem exclusões contratuais importantes, que limitam a atuação da seguradora. No seguro D&O, é comum a exclusão de atos dolosos, enriquecimento ilícito, fraudes comprovadas, vantagens pessoais indevidas e multas de natureza penal. Já no seguro E&O, além de atos dolosos e ilícitos intencionais, também se exclui a cobertura para danos decorrentes de atividades não autorizadas ou para as quais o profissional não tenha habilitação legal, bem como danos corporais ou materiais, quando não relacionados diretamente ao serviço profissional segurado. A análise detalhada das cláusulas de exclusão é fundamental para evitar surpresas no momento da regulação de sinistros.

Por fim, vale destacar que o seguro D&O possui caráter eminentemente estratégico e corporativo, sendo amplamente adotado por empresas de médio e grande porte como mecanismo de atração e retenção de talentos em cargos de gestão, ao passo que o seguro E&O cumpre função de proteção técnica e operacional, voltada à preservação da reputação e da sustentabilidade financeira de profissionais e organizações prestadoras de serviços.

Assim, embora semelhantes em estrutura, D&O e E&O se distinguem profundamente em razão de seus objetivos, sujeitos envolvidos, riscos cobertos e formas de contratação, devendo ser analisados à luz das peculiaridades de cada atividade profissional ou empresarial.

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Exclusão de empresas do Simples Nacional https://mouratavares.adv.br/noticias/exclusao-de-empresas-do-simples-nacional/ Wed, 02 Jul 2025 19:33:24 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2783 Norma representa boa oportunidade para corrigir injustiças contra micro e pequenas empresas do Estado

Por Ismail Salles e Rayssa Maylla

O secretário de Estado de Fazenda de Minas Gerais editou no início de junho a Resolução SEF nº 5.919/2025, estabelecendo novos parâmetros para exclusão de empresas do Simples Nacional, em caso de autuações por “prática reiterada de infrações”. A norma, vigente desde 4 de junho de 2025, representa uma boa oportunidade para corrigir injustiças que vinham causando a morte de muitas micro e pequenas empresas mineiras, obrigadas a lidar com a abrupta mudança no sistema de apuração de seus tributos.

A resolução tem caráter eminentemente interpretativo, o que possibilita sua aplicação retroativa para alterar o desfecho de inúmeros casos de exclusões promovidas nos últimos anos, e ainda sem conclusão no âmbito administrativo e judicial. Para empresários, essa mudança representa uma oportunidade de ouro, considerando que a exclusão do Simples Nacional impacta diretamente o caixa das micro e pequenas empresas, aumentando expressivamente a carga tributária e inviabilizando muitos negócios.

Por isso, buscar a reversão de exclusões baseadas nos critérios anteriores, agora substituídos pela nova resolução, pode garantir o retorno ao Simples Nacional, assegurando a simplificação das obrigações acessórias e uma carga tributária vinculada à receita operacional e, portanto, mais simples de lidar.
A grande inovação da resolução está na criação de um critério objetivo sobre o que caracteriza prática reiterada de infrações. Conforme previsto no artigo 28, inciso V, da Lei Complementar n° 123/2006, essa é uma das causas que autorizam a exclusão do Simples Nacional. Anteriormente, a administração tributária mineira adotava interpretação excessivamente ampla sobre “prática reiterada”, permitindo exclusões baseadas em infrações meramente similares ou da mesma natureza, mesmo quando não fossem idênticas. Mais grave ainda: muitas exclusões ocorriam sem que houvesse sequer decisão definitiva sobre a suposta infração anterior, criando situações de flagrante injustiça.

A nova exigência corrige essas distorções ao estabelecer que a prática reiterada só se caracteriza “quando houver, em relação ao mesmo sujeito passivo, lançamento anterior referente à mesma infração, com decisão definitiva proferida na esfera administrativa”, o que representa uma ruptura na prática administrativa mineira, substituindo critérios subjetivos por parâmetros mais equânimes, que respeitam os princípios do devido processo legal e da segurança jurídica.

Na prática, abre-se uma janela para empresários questionarem decisões de exclusão, seja em processos ainda em andamento ou já finalizados nos últimos anos. Empresas excluídas por infrações meramente “similares” em períodos distintos, sem que fossem exatamente “idênticas” conforme exige a mencionada resolução, podem agora contestar essas decisões com respaldo na nova regulamentação. Isso vale também para exclusões baseadas em infrações anteriores que não possuíam decisão administrativa definitiva.

O momento exige ação imediata. Empresários que sofreram exclusões recentes devem procurar orientação jurídica especializada para revisar seus casos, considerando que os prazos processuais são limitados, mas as possibilidades de reversão são reais quando as exclusões não atendem aos novos critérios objetivos.

Para milhares de empresas mineiras, essa resolução representa a diferença entre a sobrevivência no mercado e o fechamento das portas. Mais do que uma questão tributária, trata-se de uma oportunidade de reverter injustiças que condenaram negócios viáveis ao colapso financeiro, oferecendo uma segunda chance para empreendedores que foram vítimas de interpretações desproporcionais da administração tributária.

Fonte: Diário do Comércio

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STJ decide: contrato de compra sem registro não impede que o imóvel seja hipotecado a terceiros https://mouratavares.adv.br/noticias/stj-decide-contrato-de-compra-sem-registro-nao-impede-que-o-imovel-seja-hipotecado-a-terceiros/ Wed, 18 Jun 2025 16:42:27 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2755 Por Gustavo Oliveira e Natalia Dupin

O Superior Tribunal de Justiça reafirmou, em recente julgamento, a importância do registro da promessa de compra e venda na matrícula do imóvel para que esta produza efeitos perante terceiros: “A propriedade do imóvel só se transfere com o registro imobiliário”. No REsp n.º 2.141.417/SC, a Quarta Turma entendeu que, no caso de imóvel comercial, a promessa não registrada não é oponível a terceiro de boa-fé que recebe o bem como garantia hipotecária devidamente registrada.

A decisão reforça a função publicitária perante terceiros do registro imobiliário e destaca o risco enfrentado por compradores que não formalizam adequadamente seus contratos. Antes desse registro, existe apenas um direito obrigacional entre as partes que celebraram o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o registro do título na matrícula do imóvel é que se aperfeiçoa o direito real de aquisição, tornando-o oponível a terceiros e apto a produzir efeitos erga omnes quanto à transferência da propriedade.

No caso julgado, a recorrente alegou ter adquirido, por contrato particular de promessa de compra e venda, um imóvel comercial em 2007, exercendo desde então a posse mansa e pacífica. Contudo, em 2009, a antiga proprietária – que permanecia como titular formal na matrícula – instituiu hipoteca sobre o bem em favor da credora, ora recorrida. Em 2018, o imóvel foi objeto de penhora em ação de execução, ajuizada pela credora, motivando a oposição de embargos de terceiro.

O Juízo de primeiro grau acolheu os embargos e afastou os efeitos da penhora, reconhecendo a anterioridade da promessa de compra e venda. No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou a decisão, ao considerar que a hipoteca foi regularmente registrada, mesmo que posterior à celebração do contrato de compra e venda, em virtude da ausência de publicidade registral do direito do promitente comprador.

Ao julgar o recurso especial, a Quarta Turma foi categórica ao afirmar que a ausência de registro da promessa de compra e venda inviabiliza sua eficácia erga omnes, ainda que a alienação tenha ocorrido antes da constituição da garantia real. Além disso, a Corte reiterou que:

“A propriedade do imóvel somente se transfere com o registro (art. 1.245, §1º, do Código Civil). Antes disso, o compromisso de compra e venda gera apenas um direito obrigacional entre as partes, sem eficácia erga omnes.”

A fundamentação adotada pelo STJ é clara ao dispor que, sem o registro, a promitente compradora detém apenas um direito obrigacional, ineficaz perante terceiros, ainda que tenha ocorrido a posse e o pagamento integral do preço. O efeito erga omnes — indispensável à segurança e estabilidade das relações jurídicas — somente se consolida com o ingresso do título no fólio real.

Trata-se de reafirmação da supremacia do princípio da publicidade registral, como mecanismo protetivo da boa-fé objetiva dos terceiros que confiam nas informações constantes da matrícula imobiliária. A jurisprudência do Tribunal é uniforme no sentido de que o registro do título é condição de eficácia plena dos atos translativos do domínio imobiliário em face de terceiros.

Nesse sentido, a decisão da Corte representa um alerta inequívoco aos envolvidos em negócios imobiliários, nos quais a circulação de garantias reais e a constituição de ônus são frequentes. Nesse contexto, recomenda-se:

  • Compradores devem providenciar a lavratura e registro da escritura de compra e venda, para proteger seu direito real de aquisição frente a terceiros.
  • Contratos particulares, embora válidos e eficazes entre as partes, não produzem efeitos perante terceiros. Assim, se não levados ao registro imobiliário, não impedem a constituição de garantias reais ou a constrição judicial do bem, ainda que o comprador esteja na posse do imóvel.
  • A posse de boa-fé, ainda que pacífica e duradoura, não prevalece contra atos de terceiros amparados pela fé pública do registro imobiliário.
  • Incorporadoras e credores devem adotar postura diligente na análise da matrícula do imóvel, examinando com atenção a existência de ônus, restrições ou direitos previamente constituídos e registrados, a fim de avaliar adequadamente os riscos jurídicos envolvidos na constituição de garantias reais, em conformidade com a jurisprudência consolidada e os enunciados sumulares dos tribunais superiores.

A decisão ora comentada reafirma um princípio consolidado no Direito Registral brasileiro: o registro imobiliário não constitui mera formalidade, mas sim requisito essencial à eficácia plena dos atos translativos da propriedade. Ignorar essa exigência é comprometer a segurança jurídica da transação e expor o adquirente a riscos patrimoniais relevantes.

Fonte: Migalhas

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Direito securitário: A indenização nos casos de embriaguez https://mouratavares.adv.br/noticias/a-embriaguez-e-sua-repercussao-nas-diferentes-modalidades-de-seguro/ Tue, 03 Jun 2025 13:59:06 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2725 A embriaguez nos contratos de seguro deve ser analisada com rigor técnico e jurídico, sendo excludente de cobertura apenas se provar dolo ou agravamento intencional.

Por Felipe Gingold, Luis Lucas Nunes de Sá Caldas e Vinicius Barbosa

O contrato de seguro, conforme disposto no art. 757 do CC1, é aquele por meio do qual o segurador se obriga, mediante o recebimento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos previamente estipulados. Trata-se de uma relação contratual de natureza bilateral, aleatória e de execução continuada, que se ancora em dois pilares fundamentais: a boa-fé objetiva e o equilíbrio atuarial.

A boa-fé objetiva impõe a ambas as partes contratantes o dever de lealdade, transparência e cooperação, sendo especialmente relevante na fase pré-contratual, durante a formação do contrato, e ao longo da sua execução. Já o equilíbrio atuarial assegura que o valor do prêmio corresponda, de forma proporcional, à extensão do risco assumido pelo segurador, preservando a viabilidade econômica da mutualidade.

Nesse contexto, a embriaguez do segurado – entendida como estado de alteração das faculdades cognitivas e psicomotoras em razão da ingestão de álcool – reveste-se de especial interesse jurídico, por potencialmente representar agravamento do risco originalmente contratado. Tal agravamento pode repercutir de forma diversa conforme a natureza do seguro, exigindo análise casuística e interdisciplinar.

  1. Seguro de vida

No seguro de vida, cujo objeto é a proteção da vida humana – bem jurídico de natureza existencial e indisponível – a repercussão da embriaguez apresenta particularidades. A subscrição do risco se baseia em critérios biométricos, como idade, sexo, histórico médico e hábitos declarados pelo proponente. O consumo eventual ou social de bebidas alcoólicas, por não constituir condição estrutural nem comportar caráter contínuo, não costuma, por si só, interferir significativamente na tarifação do prêmio.

A exclusão da cobertura com fundamento na embriaguez só encontra respaldo legal quando configurado o agravamento intencional do risco, nos termos do art. 768 do CC2. Tal agravamento exige a demonstração de uma conduta consciente e voluntária do segurado, com vistas a aumentar a probabilidade de ocorrência do sinistro. Nos casos de embriaguez transitória, sem o dolo específico de provocar o evento morte – como ocorre, por exemplo, em situações de lazer ou consumo moderado – não se caracteriza, via de regra, a intenção de fraudar o contrato.

Importante frisar que apenas a ingestão deliberada de álcool com o intuito de abreviar a própria vida poderia ser juridicamente assimilada ao suicídio premeditado, o qual também possui tratamento legal específico (art. 798 do CC)3. Ademais, a demonstração do nexo causal entre o estado de embriaguez e o evento morte – especialmente em contextos não acidentais – é marcada por elevada complexidade técnica e probatória, o que torna inadequada qualquer exclusão automática de cobertura com base nessa condição.

Nesse viés, destaca-se que o STJ já firmou entendimento nessa matéria por intermédio da súmula 620, ipsis litteris:

“Súmula 620: A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida.”

Logo, ressai cristalino que, no caso dos seguros de vida, em geral, a seguradora deve arcar com a indenização, ainda que o segurado esteja embriagado, salvo na hipótese de complexa demonstração do agravamento intencional do risco.

  1. Seguro de responsabilidade civil

Diferente é o tratamento jurídico da embriaguez no âmbito do seguro de responsabilidade civil, em especial aquele relacionado à condução de veículos automotores. Nessa modalidade, o objeto do seguro é o ressarcimento de danos causados a terceiros, decorrentes de condutas culposas ou, em certos casos, dolosas do segurado. Trata-se de um seguro que, por sua própria natureza, carrega forte função social e atende à teoria da dupla função: garantir proteção patrimonial ao segurado e assegurar a reparação ao terceiro prejudicado.

A embriaguez ao volante constitui, além de infração administrativa e crime previsto no art. 306 do CTB4, um dos principais fatores de risco para a ocorrência de acidentes graves. Nesse sentido, a ingestão de álcool pode configurar agravamento relevante e não comunicado do risco, autorizando a exclusão da cobertura securitária nos termos do art. 768 do CC.

Todavia, essa exclusão encontra limites jurídicos quando confrontada com o direito do terceiro lesado. A jurisprudência dominante – com fundamento nos princípios da função social do contrato e da proteção da vítima – tem reconhecido que a seguradora não pode se eximir do pagamento da indenização ao terceiro prejudicado, ainda que a embriaguez do segurado esteja comprovada. Senão, veja-se o entendimento do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no REsp 1.684.228/SC:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SEGURO DE AUTOMÓVEL. GARANTIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONDUTOR DO VEÍCULO. SEGURADO. CAUSA DO SINISTRO. EMBRIAGUEZ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. SEGURADORA. DEVER DE INDENIZAR. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO. INEFICÁCIA PARA TERCEIROS. PROTEÇÃO À VÍTIMA. NECESSIDADE. TIPO SECURITÁRIO. FINALIDADE E FUNÇÃO SOCIAL.

[…]
  1. Consiste a controvérsia recursal em definir se é lícita a exclusão da cobertura de responsabilidade civil no seguro de automóvel quando o motorista, causador do dano a terceiro, dirigiu em estado de embriaguez.
  2. É lícita, no contrato de seguro de automóvel, a cláusula que prevê a exclusão de cobertura securitária para o acidente de trânsito (sinistro) oriundo da embriaguez do segurado ou de preposto que, alcoolizado, assumiu a direção do veículo. Configuração do agravamento essencial do risco contratado, a afastar a indenização securitária. Precedentes.
  3. Deve ser dotada de ineficácia para terceiros (garantia de responsabilidade civil) a cláusula de exclusão da cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado ou de a quem este confiou a direção do veículo, visto que solução contrária puniria não quem concorreu para a ocorrência do dano, mas as vítimas do sinistro, as quais não contribuíram para o agravamento do risco.
  4. A garantia de responsabilidade civil não visa apenas proteger o interesse econômico do segurado relacionado com seu patrimônio, mas, em igual medida, também preservar o interesse dos terceiros prejudicados à indenização.
  5. O seguro de responsabilidade civil se transmudou após a edição do Código Civil de 2002, de forma que deixou de ostentar apenas uma obrigação de reembolso de indenizações do segurado para também abrigar uma obrigação de garantia da vítima, prestigiando, assim, a sua função social.
  6. Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.684.228/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/8/2019, DJe de 5/9/2019.)

Destarte, as seguradoras podem alegar a exclusão da cobertura de seguro de responsabilidade civil em caso de embriaguez na hipótese de demonstração do agravamento do risco, mantendo-se responsável, todavia, por terceiros envolvidos. Nesses casos, a seguradora preserva o direito de regresso contra o segurado causador do dano, realinhando o desequilíbrio contratual sem comprometer os direitos do terceiro de boa-fé.

  1. Seguro de danos materiais

No seguro de danos materiais, especialmente aquele que protege o patrimônio do próprio segurado, como o seguro de casco de automóveis, a análise da embriaguez se dá sob a ótica da culpa grave e da violação do dever de conservação do bem. A condução de veículo sob influência de álcool, principalmente quando associada a outros fatores de risco – como excesso de velocidade, transposição indevida de sinal vermelho ou condução em via incompatível com o tráfego – pode ser interpretada como descumprimento do dever contratual de diligência.

Nessas hipóteses, demonstrado o nexo de causalidade entre o estado de embriaguez e a ocorrência do sinistro, a negativa de cobertura encontra respaldo técnico e jurídico, e a cláusula de exclusão se torna plenamente aplicável. Por se tratar de relação contratual estrita, sem reflexo direto sobre terceiros, a exclusão de cobertura restringe-se ao próprio segurado, sendo válida desde que redigida de forma clara, expressa e inteligível, conforme exigência do art. 760 do CC5.

Nesse âmbito, tem-se entendimento firmado pelo egrégio TJ/MG acerca da possibilidade de recusa da seguradora de indenizar o segurado por danos materiais em caso de embriaguez, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. CONTRATO DE SEGURO DE DANO A VEÍCULO. EXPRESSA EXCLUDENTE DE COBERTURA PARA ACIDENTE ENVOLVENDO CONDUTOR EMBRIAGADO. LEGALIDADE. SINISTRO. BOLETIM DE OCORRÊNCIA INFORMATIVO DA CONDIÇÃO DE EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE VERACIDADE. DOCUMENTO NÃO DESCONSTITUÍDO PELO AUTOR. ÔNUS DA PROVA. AGRAVAMENTO DO RISCO. RECONHECIMENTO. NEGATIVA DE COBERTURA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE INDENIZAR. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I- O contrato de seguro deve ser interpretado restritivamente, conforme as cláusulas nele previstas, pactuadas livremente pelas partes, sendo válidas aquelas restritivas, desde que bem informadas. II- Estipulado no contrato de seguro de dano a cobertura para casco, com exceção dos sinistros envolvendo condutor embriagado, diante do agravamento do risco, caso verificada a situação excludente no caso concreto, deve ser reconhecido que a seguradora agiu no exercício regular de direito ao negar o pagamento da indenização. III- Recurso conhecido e não provido.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.21.148160-1/001, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/01/2022, publicação da súmula em 27/01/2022)

Assim, a cobertura securitária referente aos danos materiais pode ser excluída em caso de embriaguez do segurado, desde que devidamente estipulada e demonstrado o nexo causal com o sinistro objeto da indenização.

  1. Critérios técnicos e probatórios

A avaliação da embriaguez no contrato de seguro deve se pautar por critérios técnicos objetivos, sob pena de decisões arbitrárias e insegurança jurídica. Os parâmetros legais previstos na legislação de trânsito – como o limite de 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 mg por litro de ar alveolar expirado – constituem balizas técnicas para aferição do estado de embriaguez.

A validade dos meios de prova utilizados, tais como etilômetro (bafômetro), exames laboratoriais ou perícias toxicológicas, deve observar critérios rigorosos de cadeia de custódia, calibração dos equipamentos e margem de erro admissível. Tais provas devem ser acompanhadas de outros elementos que corroborem o vínculo causal entre o estado etílico e o evento danoso, afastando conclusões baseadas exclusivamente em presunções genéricas ou estigmatizações do comportamento do segurado.

  1. Elemento volitivo e dolo eventual

Outro aspecto jurídico relevante diz respeito à análise do elemento volitivo da conduta do segurado. A embriaguez voluntária, ainda que reprovável, não se equipara automaticamente ao dolo. Apenas quando houver evidência de que o segurado assumiu conscientemente o risco de produzir o sinistro – hipótese de dolo eventual – poderá ser aplicada com legitimidade a cláusula de exclusão de cobertura.

A distinção entre dolo eventual e culpa consciente, embora tênue, possui implicações jurídicas profundas. Enquanto na culpa consciente o agente acredita sinceramente que o resultado danoso não ocorrerá, no dolo eventual há aceitação do risco, o que aproxima a conduta da fraude contra o contrato. Essa análise exige abordagem fática minuciosa, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Considerações finais

Conclui-se que a repercussão jurídica da embriaguez nos contratos de seguro é tema complexo e multifacetado, que exige tratamento técnico, ponderado e compatível com os princípios estruturantes do direito securitário. A aplicação de cláusulas excludentes deve obedecer ao princípio da boa-fé objetiva, à função social do contrato e à proteção do legítimo interesse do segurado e de terceiros.

A exclusão da cobertura com fundamento na embriaguez deve ser exceção, jamais regra, e somente se legitima quando baseada em prova robusta, tecnicamente embasada e juridicamente válida. Assim, decisões automáticas, arbitrárias ou ancoradas em estereótipos comprometem a estabilidade da relação securitária e desestimulam a confiança no instituto do seguro, essencial para a gestão de riscos em sociedade.


1 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

2 Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. 

3 Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

4 Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:          
Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1o  As condutas previstas no caput serão constatadas por
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou          
II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.            
§ 2o  A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
§ 3o  O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
§ 4º  Poderá ser empregado qualquer aparelho homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO – para se determinar o previsto no caput.   

5 Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.

Fonte: Migalhas

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O tratamento conferido ao fato gerador e à base de cálculo do ITBI https://mouratavares.adv.br/noticias/o-tratamento-conferido-ao-fato-gerador-e-a-base-de-calculo-do-itbi/ Tue, 27 May 2025 18:30:36 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2714 Por Alex Ribas

Embora o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP nº 108/2024) tenha se notabilizado na parte em que pretende disciplinar a reforma estabelecida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 sobre a tributação do consumo, ao dispor, por exemplo, acerca do processo administrativo tributário e o comitê gestor relacionados ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), aludido projeto também almeja introduzir alterações a respeito do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis e de Direitos a eles relativos (ITBI) de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Nesse cenário, no que toca ao PLP nº 108/2024, pode-se destacar a pretensão do Poder Executivo, consubstanciada na versão original do aludido projeto encaminhada ao Poder Legislativo, de alterar o momento em que se deve considerar configurado o fato gerador do ITBI. Assim, com relação à transmissão da propriedade imobiliária e dos direitos reais, exceto os de garantia, o fato gerador do ITBI, ao invés de ocorrer por ocasião do registro do título translativo, conforme disposto no artigo 1.245 do Código Civil, passaria a se configurar no momento da celebração do ato ou título translativo da propriedade ou dos direitos reais imobiliários, exceto os de garantia.

Além disso, pretendia o Poder Executivo vincular o valor venal, base de cálculo do ITBI, ao famigerado valor de referência a ser estabelecido mediante metodologia da administração fazendária, consoante esboçado na versão original do PLP nº 108/2024.

Em que pese o PLP nº 108/2024 ainda se encontrar em trâmite no Senado Federal, a Câmara dos Deputados efetuou alterações na versão apresentada pelo Poder Executivo, notadamente no que se refere ao fato gerador e à base de cálculo do ITBI.

Desse modo, a redação do PLP nº 108/2024 submetida ao Senado Federal passou a prever que o fato gerador do ITBI pode ser antecipado para o momento da formalização do título translativo, de maneira opcional pelo contribuinte, podendo os Municípios e o Distrito Federal aplicarem uma alíquota menor na hipótese de se optar pela antecipação do pagamento do imposto. Ademais, a Câmara dos Deputados suprimiu a possibilidade da base de cálculo do ITBI ser mensurada por intermédio do valor de referência, determinando que o valor venal deve corresponder ao valor de negociação do imóvel ou direito real, exceto o de garantia, em condições normais de mercado, a ser estimado por critérios técnicos, conforme listagem apresentada no PLP nº 108/2024.

Apesar de não se saber, ao certo, a redação final que será aprovada pelo Poder Legislativo, as modificações já efetuadas pela Câmara dos Deputados no PLP nº 108/2024 tornaram o tratamento dado ao ITBI mais alinhado ao entendimento do Poder Judiciário com relação à vedação da base de cálculo ser definida mediante aplicação de valor de referência (Tema Repetitivo nº 1.113/STJ) e a ocorrência do fato gerador exigir o registro do título translativo da propriedade e direito real imobiliários.

Aguardemos os próximos passos a serem dados pelo Senado Federal.

Fonte: Migalhas

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STJ decide que vendedor continua responsável por dívidas de condomínio até a transferência do imóvel no cartório, mesmo após entrega das chaves https://mouratavares.adv.br/noticias/stj-decide-que-vendedor-continua-responsavel-por-dividas-de-condominio-ate-a-transferencia-do-imovel-no-cartorio-mesmo-apos-entrega-das-chaves/ Fri, 23 May 2025 18:00:00 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2702 Por Gustavo Oliveira e Natalia Dupin

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, reafirmou a tese consolidada de que tanto o comprador quanto o vendedor que ainda figure como proprietário registral podem ser responsabilizados pelo pagamento das taxas condominiais, mesmo após a imissão do comprador na posse do imóvel, e ainda que o condomínio tenha ciência inequívoca da transação.

No julgamento do REsp 1.910.280/PR, o STJ analisou a cobrança de débitos condominiais relativos a imóvel objeto de promessa de compra e venda celebrada em 1985.

Embora o promissário comprador estivesse na posse, as dívidas geradas entre 1987 e 1996 recaíram sobre a promitente vendedora e proprietária registral, a saber, uma companhia de habitação popular, que buscou desconstituir a penhora por meio de embargos de terceiro.

A Corte rejeitou a pretensão, consolidando que a obrigação condominial possui natureza propter rem, aderindo ao imóvel, independentemente da situação de posse.

Aplicando a teoria da dualidade do vínculo obrigacional, o STJ reforçou a distinção entre:

• O comprador, na posse, como devedor do débito relativo ao uso do imóvel;

• O vendedor, como responsável patrimonial vinculado à titularidade registral do bem, cujo imóvel pode ser penhorado para satisfação da dívida.

• O condomínio, enquanto credor, não se vincula a acordos privados entre vendedor e comprador.

A ministra Maria Isabel Gallotti, relatora, foi enfática ao afirmar com rigor técnico que, filiando-se a uma interpretação compatível com o caráter propter rem da dívida condominial, a promessa de compra e venda — ainda que com ciência do condomínio — não rompe o vínculo da responsabilidade do proprietário registral associada ao imóvel, preservando a eficácia das garantias inerentes à obrigação propter rem.

O entendimento do STJ, ao compatibilizar a interpretação do Tema 886 com a natureza propter rem da dívida condominial, reconhece que o condomínio, enquanto credor de obrigação, não pode ficar sujeito à livre estipulação contratual de terceiros. Assim, como mecanismo de proteção da coletividade condominial contra o risco de inadimplemento, deve-se afastar qualquer interpretação que possa esvaziar a eficácia do regime jurídico da obrigação.

A decisão impacta diretamente o mercado imobiliário ao reforçar a importância da regularização registral nos negócios imobiliários, assegurando a efetiva transferência da propriedade e evitando riscos de responsabilização de terceiros.

Recomendamos aos compradores que providenciem o registro da propriedade na matrícula imóvel, para consolidar a sua titularidade e evitar a responsabilização de terceiros por dívidas de natureza propter rem.

Aos vendedores, sugerimos a inclusão de cláusulas claras nos contratos de compra e venda sobre a responsabilização do comprador pelo pagamento das taxas condominiais e demais obrigações cujo fato gerador ocorra a partir da transferência da posse. É igualmente fundamental que sejam adotados todos os procedimentos necessários para a efetiva transferência do registro de propriedade para o nome do comprador, a fim de evitar a exposição patrimonial do vendedor, diante, por exemplo, da responsabilidade concorrente na ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão na posse.

Já aos gestores de condomínio, é importante observar que, em caso de inadimplemento de taxa condominial, tanto o possuidor/comprador quanto o proprietário registral/vendedor podem ser acionados judicialmente para o pagamento da dívida, independentemente de acordos privados entre eles.

Em tempos de crescente judicialização das relações condominiais, decisões como esta reforçam a importância da atuação de um advogado especializado em Direito Imobiliário, capaz de identificar com rigor técnico os sujeitos passivos das obrigações vinculadas à titularidade imobiliária, sempre em sintonia com a jurisprudência dos tribunais, além de estruturar instrumentos jurídicos que assegurem segurança e solidez nas transações imobiliárias.

Fonte: Migalhas

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Por que e quando devo alterar a convenção de condomínio – e como esse processo pode ser mais simples do que parece? https://mouratavares.adv.br/noticias/por-que-e-quando-devo-alterar-a-convencao-de-condominio-e-como-esse-processo-pode-ser-mais-simples-do-que-parece/ Tue, 29 Apr 2025 18:25:33 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2658 As convenções de condomínio precisam ser atualizadas para lidar com desafios modernos como carregamento de carros elétricos e locação por plataformas.

Por Gustavo Mendes de Oliveira e Natalia Dupin

Muitas convenções de condomínio, embora originalmente bem estruturadas, não acompanharam a evolução do tempo frente a temas modernos. Elaboradas em contextos sociais, tecnológicos e juridicamente distintos, tais convenções deixam de regulamentar os desafios contemporâneos da vida em condomínio. 

Questões como a instalação de pontos para carregamento de veículos elétricos, limites à liberdade de reforma nas unidades, o regramento sobre a locação pelas plataformas de locação por curtos períodos, como a Airbnb, o tratamento das questões referentes à inadimplência reiterada ou à presença de animais nas unidades autônomas exigem previsão expressa e atualizada.

A ideia popularizada de que alterar a convenção de um condomínio é um “bicho de sete cabeças”, caro e extremamente burocrático, precisa ser superada.

Na prática, atualizar a convenção é juridicamente possível, como também estrategicamente recomendável para garantir uma gestão condominial moderna, efetiva e alinhada com a realidade atual dos condôminos.

E, em alguns casos, quando as mudanças são muitas e profundas, vale até pensar na elaboração de uma nova convenção, bem construída, com base na realidade atual do condomínio e nas necessidades coletivas.

1) O que é a convenção de condomínio e qual é o seu objetivo?
A convenção de condomínio é um instrumento de Direito Privado que regulamenta as normas de conduta e gestão de um condomínio, estabelecendo, dentre outros pontos: os direitos e deveres dos condôminos, nos termos arts. 1.335 e 1336 do CC, a título exemplificativo; os critérios de administração e gestão condominial; as regras para uso das áreas e serviços comuns; a realização de assembleias e quóruns para as deliberações; a eleição de síndico e do conselho fiscal; a aplicação de multas; a destinação do edifício (residencial, comercial ou misto); as restrições ao uso da propriedade; os encargos e a proporção das quotas condominiais.

Pela legislação brasileira, para que um condomínio seja reconhecido como um “condomínio edilício” e, portanto, imponha obrigações e direitos a todos os seus condôminos, é indispensável a elaboração de uma convenção condominial, tanto por escritura pública quanto por instrumento particular, subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 das frações ideais, tornando-se, desde logo, obrigatória para todos os titulares de direito sobre todas as unidades autônomas, nos termos do art. 1.333 do CC. Além disso, a convenção precisa ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis do edifício, o que garante sua oponibilidade perante terceiros, como futuros adquirentes, locatários, visitantes ou quaisquer interessados que não sejam condôminos à época da aprovação.

Sem a convenção condominial constituída e registrada, os condôminos podem enfrentar incertezas jurídicas e disputas frequentes em relação a vários aspectos, tais como: (i) dificuldades na convivência, diante da ausência de regras claras sobre horários de silêncio, uso das áreas e serviços comuns e restrições quanto a presença animais de estimação; (ii) falta de clareza e uniformidade na hora de fazer valer os deveres e direitos dos condôminos, como a obrigação de contribuir com as despesas condominiais, o direito de participar das assembleias e o direito de usufruir das áreas e serviços compartilhados; (iii) conflitos e dificuldades na gestão do condomínio, pela indefinição quanto à convocação e funcionamento das assembleias, eleição de síndico e conselho fiscal, bem como as regras para prestação de contas e tomada de decisões; (iv) divergências sobre o uso das áreas comuns, especialmente  em questões que impactam o uso da piscina, academia, salão de festas, ou ainda as normas aplicáveis a reformas e alterações nas unidades privativas. 

Já o regimento interno, por sua vez, é o documento que complementa a convenção e regula questões essenciais para o dia a dia da vida em condomínio, como os horários de funcionamento das áreas comuns, regras para uso do salão de festas, normas para o uso de vagas de garagem, presença de visitantes, entre outros pontos que garantem a organização da rotina condominial. 

2) Quais são os quóruns para alterar a convenção e o regimento e para a elaboração de nova convenção de condomínio?
De acordo com o CC:

  • Para a elaboração de uma nova convenção (constituição de um condomínio ou substituição integral da convenção anterior por uma nova), o quórum exigido é de 2/3 das frações ideais; 
  • Para a alteração da convenção condominial é exigido o voto favorável de 2/3 (dois terços) do total dos condôminos, levando em consideração as frações ideais, caso se aplique; ou seja, maioria qualificada absoluta, nos termos do art. 1.351, primeira parte, do CC; 
  • Já a alteração do regimento interno está sujeita ao quórum livremente estipulado na convenção, conforme entendimento jurisprudencial.

3) E se o quórum especial não for atingido? Existe alternativa?
Sim. A lei 14.309/22 inovou ao permitir que a assembleia seja convertida em sessão permanente, por decisão da maioria dos presentes, conforme dispõe o art. 1.353, §§ 1º a 3º, do CC. Na prática, significa que: (i) a assembleia pode se estender por até 90 dias, permitindo coleta escalonada de votos; (ii) os votos registrados durante a primeira convocação permanecem válidos, sem que haja necessidade de comparecimento dos condôminos para sua confirmação; (iii) as unidades ausentes na primeira sessão serão convocadas para votar posteriormente; e (iv) a deliberação final ocorrerá em uma nova data previamente agendada, ao término da sessão permanente.

Essa alternativa tem se mostrado particularmente eficaz em condomínios com grande número de unidades, nos quais atingir quóruns qualificados, como o de 2/3, representa um desafio recorrente do ponto de vista prático e operacional.

4) Posso realizar a assembleia de forma virtual?
Sim. O art. 1.354-A do CC, também introduzido pela lei 14.309/22, evoluiu ao autorizar expressamente as assembleias por meio eletrônico, desde que (i) não haja proibição na convenção; e (ii) todos os condôminos tenham acesso ao direito de voz, debate e voto.

Além disso, o provimento 183/24 do CNJ, que entrou recentemente em vigor, trouxe importante inovação ao permitir o reconhecimento de firma apenas do síndico, em documentos como as atas que aprovam alterações convencionais ou deliberam sobre matérias relevantes do condomínio, nos termos do art. 353-A do Código de Normas, inclusive na modalidade de reconhecimento de assinatura eletrônica. Tal medida representa um avanço tecnológico e reduz a burocracia, especialmente aos atos oriundos de deliberação em assembleias.

Todavia, por se tratar de norma recente e cuja aplicação prática ainda pode suscitar interpretações distintas, é altamente recomendável a realização de uma consulta prévia ao registro de imóveis competente, evitando, assim, a emissão de notas devolutivas que possam atrasar ou inviabilizar o registro de atos aprovados nas assembleias.

5) Alterar a convenção é caro?
Não. O investimento necessário dependerá da quantidade de unidades autônomas e do grau de complexidade das alterações propostas. Com o devido planejamento, é perfeitamente possível viabilizar financeiramente a alteração tanto da convenção quanto do regimento interno, seja (i) através do parcelamento dos valores entre os condôminos; (ii) adotando a alteração por instrumento particular; e até (iii) através da elaboração de uma redação jurídica alinhada às mais recentes alterações legislativas e procedimentais.

6) Conclusão
É juridicamente possível e financeiramente viável elaborar nova convenção de condomínio, ou, conforme o caso, atualizar a convenção condominial e o regimento interno existentes, de forma compatível com as demandas atuais da vida em condomínio. 

Trata-se, pois, de uma decisão estratégica que impacta diretamente a vida dos condôminos, permitindo – com planejamento financeiro e suporte jurídico especializado – alcançar maior segurança jurídica nos atos de gestão do condomínio, mais harmonia entre os condôminos, valorização patrimonial do edifício, além de proporcionar uma gestão mais moderna, eficiente e alinha à realidade atual.

Fonte: Migalhas


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O contrato de seguro cibernético como ferramenta jurídica de proteção aos riscos digitais: Problemas e soluções na estrutura contratual https://mouratavares.adv.br/noticias/o-contrato-de-seguro-cibernetico-como-ferramenta-juridica-de-protecao-aos-riscos-digitais-problemas-e-solucoes-na-estrutura-contratual/ Tue, 29 Apr 2025 12:59:54 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2654 O seguro cibernético cresce como proteção jurídica a riscos digitais, mas enfrenta desafios contratuais, regulatórios e de segurança jurídica.

Por Felipe Gingold, Luis Lucas Nunes e Vinicius Barbosa

A crescente digitalização das atividades econômicas e o consequente aumento da exposição de dados e sistemas a riscos cibernéticos têm exigido das empresas não apenas o investimento em infraestrutura tecnológica, mas também a adoção de instrumentos jurídicos que lhes proporcionem respaldo em caso de incidentes.

Nesse cenário, o seguro cibernético desponta como um mecanismo contratual cada vez mais relevante, ainda que permeado por desafios jurídicos significativos, que vão desde a delimitação de suas coberturas até a interpretação de cláusulas de exclusão e a responsabilização das partes envolvidas.

O contrato de seguro cibernético, em sua estrutura clássica, busca garantir proteção tanto para prejuízos diretos experimentados pelo segurado quanto para aqueles decorrentes da responsabilidade civil perante terceiros, notadamente em situações que envolvem vazamento de dados pessoais, paralisação de operações por ataques de ransomware1, ou violação de normas regulatórias como a Lei Geral de Proteção de Dados.

No entanto, a eficácia dessa proteção contratual depende, em grande medida, da clareza e da precisão das cláusulas que compõem a apólice de seguro, especialmente no que se refere às cláusulas de exclusão, as quais, muitas vezes, impõem restrições excessivas à cobertura oferecida pela seguradora.

Situações como erro humano, negligência interna, ausência de atualizações em softwares de segurança, ataques patrocinados por Estados estrangeiros ou inobservância de protocolos mínimos de proteção costumam figurar como hipóteses excludentes de cobertura, ainda que se trate de riscos concretamente previsíveis no ambiente digital.

Tais previsões excludentes, quando redigidas de forma genérica ou desproporcional, suscitam dúvidas quanto à sua validade à luz dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da vedação ao comportamento contraditório, exigindo, em muitos casos, a atuação do Poder Judiciário para reequilibrar as obrigações contratuais. 

Desse modo, a falta de uniformidade interpretativa desses contratos acarreta a insegurança jurídica das relações e evidencia a importância de cláusulas bem estruturadas, que considerem as peculiaridades do risco cibernético, inclusive o seu caráter inevitável em muitas circunstâncias, o que impõe uma abordagem menos punitiva ao segurado que adote, ainda que minimamente, boas práticas de segurança.

Lado outro, é imprescindível destacar que o pagamento de resgates em ataques de ransomware, embora eventualmente previsto em apólice, representa uma das questões mais controversas do ponto de vista jurídico e ético. Ainda que a indenização pelo valor do resgate possa representar a única saída viável para a continuidade das atividades do segurado, há seguradoras que se recusam a cobrir tal despesa ou que condicionam seu pagamento à prévia autorização e à inexistência de ilegalidade associada ao destinatário do valor. 

Em determinadas jurisdições, o pagamento de resgates pode configurar infração penal, especialmente quando os recursos forem destinados a organizações terroristas ou redes criminosas transnacionais, o que impõe uma análise criteriosa da legalidade do ato e da cobertura correspondente. 

Por consequência, cresce a importância de que o contrato de seguro preveja de forma expressa os critérios para eventual reembolso, os limites máximos de indenização, os mecanismos de comprovação da necessidade e a obrigatoriedade de consulta prévia a autoridades competentes ou consultorias especializadas.

Outro elemento recorrente de controvérsias, inclusive perante ao Poder Judiciário, diz respeito à negativa de cobertura com fundamento no agravamento do risco por parte do segurado. 

Muitas seguradoras inserem em suas apólices cláusulas que condicionam a eficácia do contrato à observância de determinados padrões técnicos, tais como o uso de firewall, antivírus, backups regulares, criptografia de dados e autenticação multifator. Desse modo, a seguradora pode se recusar a arcar com os prejuízos alegando negligência ou dolo, nas situações nas quais a empresa não cumpre integralmente tais requisitos. 

Nesse diapasão, embora o dever de diligência recaia sobre o segurado, é necessário avaliar, caso a caso, se a falha apontada possui nexo direto com o dano ocorrido, e se a exigência contratual foi formulada de forma compatível com o porte e a estrutura da empresa segurada.

Diante disso, a adoção de cláusulas que permitam escalonamento da cobertura conforme o nível de conformidade técnica, ou que prevejam tolerância para pequenos desvios com a obrigação de correção futura, pode representar solução contratual viável para preservar o equilíbrio da relação jurídica.

Com o advento da LGPD, o seguro cibernético passou a ser ainda mais relevante como instrumento de proteção diante da possibilidade de aplicação de sanções administrativas e da propositura de ações judiciais por titulares de dados. Ainda assim, persiste a incerteza quanto à indenizabilidade de multas impostas por autoridades públicas, uma vez que muitas apólices expressamente excluem penalidades de natureza administrativa do escopo de cobertura.

Tal exclusão, embora amparada no princípio da intransmissibilidade da sanção, pode ser relativizada quando o contrato previr cobertura ao menos para os custos de defesa administrativa e para eventuais acordos celebrados no curso do procedimento sancionador. A jurisprudência brasileira ainda não consolidou entendimento definitivo sobre o tema, o que recomenda atenção redobrada ao momento da contratação e a redação minuciosa das cláusulas pertinentes.

As disputas judiciais envolvendo seguros cibernéticos têm revelado a necessidade de amadurecimento regulatório e contratual do setor e a ausência de uma regulação específica sobre os seguros voltados a riscos digitais favorece a adoção de modelos importados, muitas vezes inadequados à realidade brasileira. Isso contribui para a existência de contratos excessivamente padronizados, que desconsideram as particularidades do negócio segurado e impõem obrigações desproporcionais ao contratante. 

Em resposta a esse cenário, observa-se uma tendência de personalização das apólices, com cláusulas mais claras, delimitação precisa de coberturas e exclusões e previsão expressa de condutas obrigatórias para ambas as partes. Há também um movimento das seguradoras em reduzir a cobertura para pagamentos de resgates, como forma de desestimular o financiamento indireto da atividade criminosa, e em incentivar a adoção de planos de resposta a incidentes como condição para a manutenção da apólice.

Diante de um ambiente regulatório em constante evolução e de riscos digitais cada vez mais sofisticados, o contrato de seguro cibernético deve ser compreendido não apenas como um instrumento de transferência de risco, mas como componente essencial da governança corporativa e da estratégia de conformidade jurídica das empresas. 

Cabe ao segurado, por sua vez, com a devida assistência técnica e jurídica, realizar uma leitura crítica das cláusulas contratuais, a fim de garantir que os riscos mais relevantes para sua operação estejam efetivamente cobertos e que os deveres assumidos sejam viáveis e proporcionais. 

O amadurecimento do mercado e o aprimoramento dos contratos deverão contribuir para maior segurança jurídica nas relações entre seguradoras e segurados, permitindo que o seguro cibernético cumpra, de forma plena, sua função de proteção diante dos novos contornos da responsabilidade digital.


1 Ransomware é um tipo de software malicioso que, ao infectar um sistema, criptografa os dados da vítima e exige o pagamento de um resgate (geralmente em criptomoedas) para a liberação do acesso às informações sequestradas.

Fonte: Migalhas

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Cláusula que reduz taxa de incorporadora é nula, decide STJ https://mouratavares.adv.br/noticias/stj-mantem-entendimento-sobre-nulidade-de-clausula-que-reduz-taxa-condominial-para-unidades-da-incorporadora/ Thu, 10 Apr 2025 19:01:59 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2619 Decisão do STJ declara nula cláusula que reduz taxa condominial da incorporadora, reforçando princípios de isonomia e vedação ao enriquecimento ilícito.

Por Gustavo Oliveira e Ricardo Gorgulho

A 3ª turma do STJ reafirmou, no julgamento do agravo em REsp 2.702.809/GO, ser nula a cláusula da convenção de condomínio que isenta ou reduz a taxa condominial devida pela incorporadora em relação às unidades ainda não comercializadas.

No caso concreto, a convenção condominial previa que a incorporadora pagaria apenas 30% das despesas ordinárias relativas às unidades ainda não comercializadas, excluindo o fundo de reserva.

Embora essa disposição tenha sido regularmente aprovada em assembleia, a cláusula foi considerada nula pela Corte Superior por violar normas de ordem pública, ao estabelecer benefício de caráter subjetivo a favor da incorporadora, como a regra da proporcionalidade no rateio das despesas comuns (art. 1.336, I, do CC e art. 12 da lei 4.591/64); o princípio da isonomia entre condôminos; e a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CC).

O ministro relator, Marco Aurélio Bellizze, citou o argumento já apresentado no REsp 1.816.039/MG, julgado pela mesma 3ª turma em 2020 segundo o qual não é admissível que o incorporador transfira à coletividade condominial os riscos inerentes ao seu próprio empreendimento, criando um benefício de caráter subjetivo a seu favor. Reduzir a sua parcela nas despesas comuns significa, na prática, repassar o ônus de conservação e/ou manutenção do edifício aos demais condôminos – algo incompatível com a boa-fé objetiva e com a própria lógica do condomínio edilício.

A decisão impacta diretamente o mercado imobiliário. Recomendamos aos síndicos e administradoras que verifiquem a situação e eventualmente ingressem em juízo com ações revisionais visando o ressarcimento dos condôminos prejudicados.  Por outro lado, sugerimos às incorporadoras que revejam os seus procedimentos, para evitar a criação de passivos ocultos.

Fonte: Migalhas

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Moura Tavares Advogados é novamente reconhecido pela Leaders League https://mouratavares.adv.br/noticias/moura-tavares-advogados-e-novamente-reconhecido-pela-leaders-league/ Thu, 20 Mar 2025 19:08:39 +0000 https://mouratavares.adv.br/?p=2583 O Moura Tavares Advogados segue consolidando e ampliando sua atuação estratégica no mercado jurídico nacional, obtendo novos e relevantes reconhecimentos no ano de 2025 junto à Leaders League, agência internacional responsável por importantes rankings jurídicos no Brasil e no mundo. Nossa expertise foi destacada nas seguintes categorias:

✅ Recomendado em Resolução de Conflitos – Sudeste
✅ Prática Valiosa em Direito Empresarial – Sudeste
✅ Práticas Notáveis em Tributário – Sudeste
✅ Mapeamento em Trabalhista – Sudeste

Essa conquista reflete o compromisso contínuo do nosso time na prestação de serviços jurídicos altamente técnicos, inovadores e alinhados às necessidades de cada cliente.

Em um cenário jurídico dinâmico, seguimos focados na entrega de soluções céleres e customizadas, buscando contribuir para a construção de um ambiente empresarial seguro e estratégico.

Parabenizamos todo o time Moura Tavares por mais esse reconhecimento e agradecemos a confiança de nossos clientes e parceiros.

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