Por Vinicius Barbosa, Gabriel Borges
Nos últimos anos, o futebol brasileiro vivenciou uma enorme crise econômica, fruto de gestões futebolísticas não profissionalizadas, conflitos políticos internos nos clubes, além dos efeitos nas receitas das associações, provocada, dentre outras circunstâncias, pelo afastamento do público dos estádios em razão da pandemia do Covid-19. Tais fatos impactaram nas atividades de várias agremiações futebolísticas nacionais, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte.
Diante da calamitosa situação financeira dos clubes brasileiros, iniciou-se no Congresso Nacional um debate profundo acerca do modelo utilizado no Brasil para gestão, desenvolvimento e atração de investimentos destinados ao futebol, o que ensejou a edição da Lei nº 14.193/2021, com o objetivo de profissionalizar o futebol nacional, através da criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
A Sociedade Anônima do Futebol é a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional, sujeita às regras específicas da aludida Lei, a qual surgiu para legitimar e facilitar o novo mercado do futebol, o qual, repita-se, encontra-se atualmente eivado de práticas arcaicas e insustentáveis.
A referida legislação, objetivando subsidiar ferramentas que possibilitam a transformação e profissionalização do futebol brasileiro, estabeleceu que a Sociedade Anônima do Futebol poderá ser constituída de três formas, quais sejam:
(i) transformação do Clube de Futebol em SAF, operação por meio da qual o clube (pessoa jurídica constituída na forma de associação) alterna deste tipo jurídico para outro (a sociedade anônima do futebol);
(ii) constituição da SAF por meio de uma cisão do departamento de futebol originário da antiga pessoa jurídica (associação), transferindo ativos e as operações futebolísticas para nova pessoa jurídica, como nas operações realizadas por conhecidos clubes brasileiros, tais como o Cruzeiro Esporte Clube, o Club de Regatas Vasco da Gama e o Botafogo de Futebol e Regatas.
(iii) por fim, ainda é possível a constituição da Sociedade Anônima do Futebol do zero, ou seja, sem a necessidade de existência pretérita de clube ou associação desportiva que a SAF irá suceder, permitindo que pessoas naturais e jurídicas possam empreender no futebol brasileiro, propiciando crescimento do mercado.
Diante das modalidades de constituição das SAFs, um dos temas mais debatidos no presente momento versa sobre a sucessão de direitos e obrigações contraídas pela associação/pessoa jurídica anterior.
Nesse sentido, tendo em vista as hipóteses acima elencadas, caso a SAF tenha sido constituída por meio de transformação ou cisão, esta sucederá a associação civil anterior em todas as obrigações e direitos relacionados ao futebol, bem como nas relações contratuais, de qualquer natureza, com atletas profissionais do futebol. Até porque as regras da Lei de Sociedades Anônimas determinam a sucessão pela nova empresa das obrigações anteriores, estabelecendo, contudo, regramentos próprios e especiais conforme apontamentos abaixo.
A nova sociedade constituída herdará o direito de participar de campeonatos e torneios organizados por federações esportivas, nas mesmas condições em que se encontrava a pessoa jurídica anterior, assumindo a posição atual do clube nas competições, inclusive quanto à divisão do futebol que se encontra.
Acerca do cumprimento das obrigações pretéritas, o Poder Judiciário deverá operacionalizar o “regime centralizado das execuções” criado pela Lei. Tal regime permitirá que os clubes iniciem o pagamento de seus credores após o prazo de 6 (seis) anos.
Para tanto, competirá à SAF apresentar plano de pagamento aos credores em até 60 (sessenta) dias contados da sua constituição, prazo este que vem sendo alvo de discussões recentes, uma vez que o momento da constituição formal das SAFs não coincide, necessariamente, com a assunção do departamento de futebol por estas. Tem-se visto que, antes de decidir assumir a gestão do futebol de um clube, os representantes da SAF têm realizado auditorias nas contas dos clubes, além de uma série de diligências para maior conhecimento da situação financeira da associação, visando fomentar maiores investimentos futuros e evitar riscos desconhecidos.
Com efeito, tendo em vista que as obrigações dos clubes serão transferidas às Sociedades Anônimas do Futebol, a recente legislação estabeleceu em seu artigo 10 os critérios e valores mínimos a serem pagos pela SAF aos credores após o citado período de 6 (seis) anos, devendo a SAF destinar 20% (vinte por cento) das suas receitas correntes mensais para o adimplemento de tais valores, em consonância com o plano a ser apresentado.
Ademais, durante o período de cumprimento do plano de pagamento dos credores, caso sejam distribuídos lucros e dividendos para os acionistas da SAF, 50% (cinquenta por cento) destes deverão ser destinados ao pagamento das obrigações do referido plano, respondendo os administradores da SAF pessoal e solidariamente pelas obrigações relativas aos repasses financeiros definidos no mencionado artigo 10 da Lei 14.193/2021.
Cumpre destacar, por relevante, que durante o período de carência e cumprimento do plano, é expressamente vedada a prática de atos constritivos no âmbito das execuções movidas contra a pessoa jurídica originária.
Desta forma, é possível verificar que a Lei 14.193/2021 é um relevante instrumento de recuperação e estímulo ao futebol brasileiro, sendo extremamente útil para a profissionalização da atividade praticada pelas agremiações nacionais, fomentando o crescimento deste mercado.